A mulher do ônibus

A mulher do ônibus

A mulher do ônibus

Começo de noite de domingo, cês já sabem como é, né(?): nem uma viva alma na rua, ônibus só de meia em meia hora, se isso, todo mundo “endomingado”. Graças ao aplicativo da Prefeitura eu sabia exatamente a hora que devia estar no ponto e consegui embarcar em direção ao meu breve compromisso bem a tempo e evitar um atraso monstro caso não conseguisse. “Pontualidade britânica”, é o que me diriam quando eu chegasse lá!

Ali no Centro da cidade muita gente entrou, inclusive essa moça. Primeiro um grupo de três caras, depois ela, eu reparei porque achei o cabelo lindo. Assim que passou da roleta ela ficou olhando para os lugares, procurando onde sentar, e isso não faltava (era DOMINGO, afinal de contas), até mesmo uma “dupla” de acentos completamente vazia, mas naquele momento parecia que ela não achava nenhum, até que me viu desacompanhada com os fones no ouvido, deu um sorrisinho e veio na minha direção. Dei lugar para que ela se sentasse no banco da janela – sempre fico no corredor – e fiquei me questionando por que motivo essa escolha demorou tanto tempo, já que eram várias opções. E foi então que eu percebi que, tirando nós duas, TODAS as outras pessoas ali dentro eram homens. Os idosos que estavam em seus lugares preferenciais na frente, o motorista em seu dia de dupla função, os passageiros que já estavam sentados e aqueles que ainda estavam subindo. Se ela não se sentasse ao meu lado, mesmo que fosse para onde poderia ficar inicialmente sozinha, em algum momento teria que dividir o espaço com algum deles, e provavelmente eu também, já que aquele ponto onde estávamos parados estava bem cheio, MESMO. E ali na minha ansiedade já pensando na reunião que eu teria em alguns momentos nem me toquei disso, mas ela sim, e foi correndo pro único canto onde se sentiria segura de ter uma viagem tranquila. Comigo. Com outra mulher. E nem foi preciso que isso fosse dito porque eu simplesmente sabia, tendo eu mesma já feito o mesmo mais de uma vez.

Nenhum daqueles homens tinha uma placa na testa dizendo que ia fazer mal a qualquer uma de nós, mas a mera possibilidade disso já era o suficiente. Levantei da cadeira e dei o sinal com um aperto no peito de deixá-la ali, o que depois se transformou em um medinho forte quando um dos grupos que estava lá atrás fez comentários sobre a minha bunda em alto e bom som pra todo mundo ouvir. Torci pra ela descer logo, pra alguma moça entrar no meu lugar, pra que nenhuma de nós precise passar por nada disso. Andei na rua quase correndo pra chegar onde devia logo, sem saber se queria ou não que aparecesse alguém com quem dividir aquela calçada quase deserta, fechando a cara pro rapaz que veio mexer comigo e só aumentou meus receios. Nada me aconteceu de mal e ainda assim eu só queria estar segura.

É isso que é ser mulher em qualquer momento do ano, então que tal no dia 8 de março deixar as flores de lado e passar a nos entregar o respeito que deveria ser nosso de direito, todos os dias? Só assim vamos parar de viver esse tipo de situação, que parece uma coisa boba mas é exaustiva de ser vivida todos os dias.

Maresia

Maresia

ler artigo

Impressionantes negligenciadas: uma crônica de Dia das Artes

ler artigo
Um ano depois…

Um ano depois…

ler artigo

Comente este post!

  • Dai Castro

    É nesse momento que a gente lembra do poder da sororidade, né?
    Essa é a realidade que enfrentamos diariamente e isso é muito triste. Infelizmente ainda há um longo caminho a percorrer. Acho que tudo é uma questão de respeito… Lendo a sua história pude sentir aqui do outro lado toda a sua insegurança e angustia </3
    Colorindo Nuvens

    responder